sexta-feira, 6 de março de 2015

A seca e o desmatamento

O desmatamento na Amazônia e os efeitos do aquecimento global
 podem ter influenciado a drástica seca que atinge o Sudeste atualmente.
(Foto: Freeimages.com)

Pesquisador alerta para os fatores que podem ter influenciado a queda atual no padrão de chuvas no Sudeste, como a destruição da floresta amazônica e o aquecimento global, e cobra mudança na posição brasileira em relação a questões ambientais.

Por: Philip M. Fearnside

O desmatamento na Amazônia deve estar contribuindo de alguma forma para a atual seca que atinge o Sudeste, mas não temos dados para explicar uma queda de precipitação tão drástica somente por essa contribuição.
A ligação entre a reciclagem de água pela floresta amazônica e o transporte de vapor d’água do Norte do país para o Sudeste, nos chamados ‘rios voadores’, é bem documentada. Escrevi sobre esse tema na Ciência Hoje há uma década (‘A água de São Paulo e a floresta amazônica’, em CH 203). No entanto, a redução das chuvas no Sudeste, este ano, é muito desproporcional em relação ao aumento da área desmatada de 2013 para 2014. Algum tipo de quebra nos jatos de nível baixo – ventos que transportam vapor d’água na baixa atmosfera – poderia explicar a diferença, mas os dados existentes não permitem afirmar que isso aconteceu.

Outros fatores também podem ter influenciado a atual seca. Estamos no início do fenômeno El Niño (o aquecimento excessivo das águas do oceano Pacífico, que afeta o clima da América do Sul), mas este não mostra severidade fora do normal, capaz de explicar a seca. As águas do oceano Atlântico, diante do litoral do Sudeste, também estão mais quentes que o normal, o que deve influenciar o padrão de chuvas. Além disso, uma massa de ar estacionada sobre o estado de São Paulo inibiu a entrada de frentes frias vindas do sul do continente, que normalmente provocam condensação de vapor d’água e geram precipitação.

Apesar da incerteza sobre as causas da seca, é importante aprender as lições que essa ocorrência nos ensina. A primeira lição diz respeito ao ‘desenvolvimento’ da Amazônia: se este continuar a seguir o curso atual, com planos para a construção de rodovias, barragens e outras estruturas que contribuem para o desmatamento, e com subsídios para a destruição da floresta, em uma larga gama de políticas perversas, faltará água, sim, em São Paulo. Nesse caso, porém, a falta não estará associada apenas a uma variação de chuvas de um ano para outro: será permanente.